domingo, 8 de janeiro de 2017

Recordando: O Manifesto do Economista (Mário Mesquita, Outubro 2014)

O manifesto do economista (Mário Mesquita)

VALOR ECONÔMICO - SP, 23/10/2014

As eleições de 2014 ficarão para a história, independente do resultado final. A disputa acirrada, ainda que com aspectos pouco elegantes, suscitou um saudável aumento da participação política. Uma das características desse movimento foi a divulgação de manifestos de entidades públicas e grupos de profissionais, inclusive economistas.
Economistas governistas defendem a continuidade por julgarem que as políticas atuais são as únicas que podem assegurar que o país continue experimentando desenvolvimento com inclusão social. Mesmo esses economistas, contudo, reconhecem que dificuldades conjunturais existem e devem ser enfrentadas com firmeza. Seu manifesto não chega a defender os méritos da gestão atual, enfatizando, como na campanha eleitoral, resultados da anterior e listando os riscos de uma opção pela mudança.
Mais importante, porque envolve um conjunto bem mais amplo de profissionais independentes, das mais diversas escolas e formações, que não seguem uma única orientação partidária, e com formação bem mais atual, foi o manifesto dos 164 professores de economia, também divulgado recentemente.
Quanto à diversidade, os signatários incluem professores vinculados a universidades de diversas partes do mundo, como Berkeley, Cambridge, Chicago, Estocolmo, London School of Economics, Toulouse, e Yale, bem como vários centros nacionais, cobrindo todo o espectro da profissão, da PUC-Rio até a Unicamp, passando pela USP, além das federais do Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Esse grupo reune, sem dúvida, o que há de melhor na profissão em nosso país e não pode ser acusado, como frequentemente ocorre nos embates políticos, de representar interesses setoriais, sejam da indústria ou do mercado financeiro.
E o que dizem os economistas? Em primeiro lugar, o texto ressalta o desempenho ruim da economia brasileira nos últimos anos, com crescimento menor e inflação maior, bem maior do que a maioria dos países da região, com as exceções de praxe, Argentina e Venezuela - como todas as economias estão inseridas no contexto global, e a nossa é uma das mais fechadas, faz pouco sentido, em sua visão, atribuir o desempenho pior do Brasil à situação internacional.
Questionam, a meu ver corretamente, se será possível manter o desemprego baixo em uma economia que não cresce. E atribuem a responsabilidade pelo desempenho ruim à política econômica do atual governo.
Entre os problemas apontados pelos professores de economia estão o aumento da inflação e da instabilidade macroeconômica, que teria decorrido de erros de política monetária e fiscal, com a consequente erosão da credibilidade. O manifesto destaca também o desempenho ruim do investimento, sob o efeito de mudanças constantes de regras, instabilidade macroeconômica e regulatória e um ambiente que premia a busca por favores governamentais, em vez da inovação.
Atribui-se também a decisões de política a responsabilidade pela deterioração da capacidade de investimento da Petrobras. As críticas dos economistas se estendem à concessão de créditos subsidiados, sem justificativa clara e de forma pouco transparente - uma política que, ao privilegiar grandes conglomerados, favorece a concentração de renda. A esse respeito, vale ressaltar o déficit relativo de transparência das instâncias decisórias do BNDES, perante, por exemplo, as do Banco Central.
Ao enfatizar os efeitos negativos da instabilidade e incerteza macroeconômica sobre o investimento, o manifesto sugere que, do lado macroeconômico, a prioridade do novo governo deveria ser restaurar a credibilidade do regime de política econômica, reafirmando o compromisso com a meta de inflação de 4,5%, recuperando a transparência da política fiscal, e com isso ampliando o horizonte de planejamento de empresas e famílias.
Com isso, a propensão a investir aumentaria, o que é condição necessária para elevar o crescimento potencial da economia, sem o que a consolidação do progresso social vivido no país nas últimas décadas ficaria comprometida.
A alternativa implícita seria mais do mesmo. Mais juros subsidiados e crédito direcionado, muita opacidade fiscal e uso importante de medidas administrativas para controlar a inflação, sem muita preocupação com os efeitos colaterais, fiscais e alocativos que isso possa ter. Essa combinação não funcionou nos últimos anos e dificilmente seria bem sucedida no próximo quadriênio, o que não quer dizer que o experimento seria abandonado por completo.
Em resumo, o manifesto dos professores de economia deveria ser leitura interessante para aqueles que percebem que há algo seriamente errado em certas versões oficiais sobre o desempenho recente da economia brasileira. O texto encontra-se no endereço: 
https://sites.google.com/site/manifestoeconomistas/

Mário Mesquita , economista, é sócio do Banco Brasil Plural. Foi diretor de Estudos Especiais e depois diretor de Política Econômica do Banco Central. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras.

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