Marcelo Kfoury é superintendente do departamento econômico do Citi Brasil.
Leonardo Porto e Mauricio Une são economistas do Citi Brasil
A agitação de 2016 foi tal que alguns episódios, como o impeachment da presidente Dilma, parecem ter acontecido já há bastante tempo. Para que o caos do ano recém-encerrado não se repita, deve-se atentar para a implementação de uma estratégia correta de políticas econômicas, em linha com um diagnóstico que já é claro há algum tempo.
Essa estratégia inclui, no mínimo, uma condução mais restritiva da politica fiscal e mais relaxada da política monetária, delineando um perfil de política econômica que permita que 2017 seja um ano mais alvissareiro que o que se findou. De qualquer maneira, as novidades recentes no cenário - a deterioração do ambiente político brasileiro, a incerteza sobre a política americana e a piora da atividade econômica doméstica - impõem novos riscos que deverão dificultar ainda mais os antigos desafios ao longo de 2017.
A agenda do presidente Temer tem na aprovação da emenda constitucional do teto dos gastos públicos e na reforma da Previdência os carros-chefes do governo para restaurar a confiança nas finanças públicas. A reforma da Previdência, apresentada no dia 5 de dezembro, é primordial para a consistência no tempo do teto dos gastos e, por isso, tem de ser aprovada até setembro. Sem ela, o teto não dará cabo sozinho de resolver todo o problema fiscal: ele deixará explícito o dilema de reduzir diversas rubricas para compensar o rombo crescente da Previdência.
Nesse contexto, as tensões entre os diversos grupos interessados em preservar seus ganhos históricos se acirrarão, inviabilizando consensos políticos em torno do orçamento. A próxima batalha a ser travada, portanto, será a de reformar a Previdência Social, de forma a conter o crescimento de seu pesado déficit. Essa agenda é condição necessária para que o presidente Temer consiga induzir uma recuperação econômica duradoura.
Há espaço para acelerar a queda da taxa Selic e reduzí-la em pelo menos 4 pontos percentuais
As inegáveis conquistas de Temer durante a votação da PEC do teto dos gastos podem ser atenuadas com os recentes acontecimentos na arena política e no contexto da Lava-Jato, que poderiam turvar o ambiente político para aprovação de novas reformas. Nesse sentido, as fricções de líderes do Congresso com as autoridades judiciárias são aperitivos ao estrago que as delações premiadas podem fazer em Brasília.
Temer, por outro lado, mostrou habilidade política e tenacidade ao abortar uma crise ainda maior entre o Legislativo e o Judiciário. A forma como esse jogo de forças se dará em 2017 será determinante para o sucesso do governo, visto que a contaminação política enfraquecerá a força do Planalto na tramitação da reforma da Previdência.
A posse do novo presidente dos EUA pode encerrar um longo período de bonança internacional, trazendo também reflexos negativos para o governo brasileiro. De acordo com as sinalizações dadas ao longo de sua campanha, Donald Trump prepara-se para promover um relaxamento fiscal via queda de impostos e aumento no investimento em infraestrutura, além de endurecer as políticas comerciais e de imigração e, por último, desregulamentar a economia (nos âmbitos financeiro, ambiental e do sistema de seguro de saúde).
Os impactos sobre a economia brasileira virão em três frentes: 1- menor crescimento das exportações, por meio da redução do comércio internacional; 2- menor espaço para cortar juros, dado o enfraquecimento do real com a expectativa de uma política monetária americana mais contracionista; e 3- menor flexibilidade para implementar uma consolidação fiscal gradual, caso aumentem a aversão ao risco e a decorrente volatilidade nos mercados.
Para piorar a situação, houve ainda a surpresa negativa com a piora do crescimento econômico brasileiro no terceiro trimestre de 2016, quando o PIB voltou a cair de maneira mais aguda (contração de 0,8% em relação ao trimestre anterior e de 2,9% em relação ao mesmo trimestre do ano passado). A notícia foi o gatilho para uma onda de revisões baixistas do crescimento de 2017. A expectativa de crescimento da economia brasileira para este ano, que era de 1,3% há pouco mais de um mês, reduziu-se para cerca de 0,5% recentemente, de acordo com a pesquisa Focus do Banco Central.
Se nosso cenário já incorporava uma leitura mais cética acerca da retomada do crescimento neste ano, os dados recentes e a indisponibilidade de instrumentos que impulsionem a atividade nos dão mais convicção de que essa recuperação será a mais tímida de todas as saídas de crises que o Brasil já experimentou. Em outras palavras, o entupimento de importantes canais (como o do crédito) acaba por limitar fortemente os estímulos possíveis à demanda da economia, o que, por sua vez, posterga a recomposição do consumo e do investimento no país.
Sendo assim, a única válvula de escape da economia nos parece ser a politica monetária. Levando em conta a queda acentuada da inflação corrente e a ancoragem das expectativas à meta, o Banco Central tem espaço para acelerar a queda da taxa Selic. Em nossa opinião, as taxas reais de juros poderiam cair rapidamente abaixo do seu patamar de equilíbrio para garantir uma política monetária acomodatícia. Apesar de toda a incerteza em torno do nível de equilíbrio da taxa real de juros no Brasil, nossos cálculos apontam que há espaço para uma redução de ao menos 4 pontos percentuais na taxa Selic.
Na medida em que o endividamento das firmas e famílias impedirá que esse estímulo monetário converta-se em uma melhora do mercado de crédito, cremos que o principal papel da política monetária nesse ciclo será o de reduzir o custo financeiro e aliviar a situação de alavancagem do setor privado.
Em suma, vemos pelo menos três grandes riscos para a economia brasileira ao longo do ano de 2017: as ameaças politicas à governabilidade do presidente Temer, que comprometem a aprovação de reformas necessárias para a recuperação da confiança na dinâmica das despesas publicas; a posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, com todas as consequências para a economia mundial; e, por fim, o baixo desempenho da atividade econômica, com a recente deterioração dos canais de estímulo ao crescimento econômico.
Isso posto, vemos a queda dos juros como a única alternativa viável para desfazer o pessimismo vigente. A janela de oportunidade de Temer se estreita a cada dia, mas ainda há tempo de 2017 ser de fato um ano muito melhor do que o que findou.
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