Em 2005, o indiano Raghuram Rajan, o então economista-chefe mais jovem do Fundo Monetário Internacional (FMI), fez um explosivo discurso em um simpósio em homenagem a Alan Greenspan, que se despediria pouco depois da presidência do Federal Reserve, o banco central americano. Na contramão do tom de homenagens, criticou o establishment financeiro e alertou para o perigo de um terremoto em virtude dos incentivos para as operações de subprime, que ofereciam crédito imobiliário de alto risco. Na época, causou certo mal-estar e o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers chegou a chamá-lo de ludita. Três anos depois, o Lehman Brothers quebrou e os EUA entraram na mais grave crise desde 1929.
Desde setembro ex-presidente do banco central da Índia, Rajan observa agora os movimentos da nova era de seu gabinete na Universidade de Chicago. Novamente demonstra preocupação, desta vez, com a ascensão do populismo. Alerta que caso o novo presidente dos EUA, Donald Trump, cumpra sua promessa protecionista, a China pode assumir a liderança vaga. "A questão é: se os EUA se afastarem dos acordos de livre-comércio, será que a China não vai começar a criar suas próprias redes? Será que a China não vai tentar substituir [a Parceria Transpacífico] por outra de sua autoria?", pergunta Rajan.
O professor de Chicago também está apreensivo com as propostas de estímulo fiscal de Trump, que podem significar forte pressão inflacionária. Aponta, ainda, o impacto para os emergentes de um PIB dos EUA mais vigoroso, fator que embute um complicador no horizonte. Por um lado, a alta do dólar, efeito colateral da expansão econômica, pode ser um atrativo para aumentar a exportação desses países, por outro, pode desencadear ações protecionistas do novo morador da Casa Branca.
Rajan, que esteve à frente do BC indiano por três anos, demonstra certo otimismo em relação ao Brasil e aplaude o controle da inflação do banco central comandado por Ilan Goldfajn e as medidas pró-equilíbrio fiscal para recuperar a macroestabilidade. "Medidas importantes estão sendo tomadas no âmbito fiscal, para colocá-lo sob controle", afirma.
Aclamado como um astro acadêmico, Rajan foi eleito uma das cem pessoas mais influentes pela revista "Time" no ano passado. Apesar de ter criticado o apetite voraz pelo alto risco do mercado financeiro e aparecer no documentário "Trabalho Interno", que ganhou o Oscar com sua crítica ao mundo pré-2008, Rajan é um liberal de Chicago.
Quase dez anos depois da crise que ele previu no simpósio de 2005, em Jackson Hole, considera ser necessária uma revisão de medidas que surgiram pós-quebra do Lehman. "No passado faltava regulação e o que criamos foi um monte de regulações, muitas delas necessárias e outras desnecessárias", diz o professor, que completa 54 anos no dia 3.
Também é um crítico contumaz do capitalismo de compadrio, termo que descreve uma economia em que o sucesso nos negócios depende de relações estreitas entre empresários e o governo. Para muitos analistas, sua permanência no banco central foi minada, em parte, por antagonizar com poderosos grupos empresariais da Índia, denunciando uma economia de compadres. Exerceu ainda forte pressão sobre bancos para que fossem rígidos com devedores problemáticos, uma orientação pouco usual na Índia.
Rajan negou várias vezes que o BC indiano sofresse pressões políticas. No entanto, analistas estrangeiros viram aí uma motivação para sua saída, já que seu mandato poderia ser estendido por mais dois anos. Como banqueiro central, foi glorificado pelo mercado, ao iniciar um processo de adoção de metas formais de inflação, fazer uma limpeza de balanços e modernizar o setor financeiro da Índia, principalmente o estatal. No entanto, foi ferozmente atacado por deputados do partido do primeiro-ministro Narendra Modi.
O professor tem evitado comentar sobre a experiência no BC. Em carta aos colegas do banco, quando pediu demissão, disse que voltaria ao seu verdadeiro lar: o reino das ideias. Aluno brilhante, graduou-se em engenharia pelo Indian Institute of Technology, instituição de elite, e pelo Indian Institute of Management Ahmedabad, onde conheceu Radhika, sua mulher e mãe de suas filhas. A economia surgiu mais tarde, com o doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
De Chicago, por telefone, Rajan expôs algumas de suas ideias na entrevista a seguir:
Valor: Trump defende o protecionismo e afirma que décadas de políticas de livre-comércio foram responsáveis pelo colapso da indústria americana. Nesta semana, retirou-se da Parceria Transpacífico (TPP). Quais serão os efeitos deste movimento protecionista e antiglobalização para o mundo?
Raghuram Rajan: Acho que isso foi antecipado. Se uma retirada tão cedo [da TPP] envia a mensagem de que o comércio será uma prioridade do governo, ou se ele pretende apaziguar os grupos anticomércio, mas não muito além disso, ainda está por ser visto. Há pessoas na equipe do governo com um histórico de críticas aos efeitos negativos do livre-comércio, mas há outras que têm sido mais otimistas com relação ao comércio, e, além disso, há posturas diferentes com relação a países diferentes. Devemos nos lembrar de que se os países se distanciam do livre-comércio, é bem possível que seu espaço seja preenchido por outros países.
Valor: O senhor acha que o discurso do presidente chinês Xi Jinping, em Davos, na semana passada, enaltecendo o livre-comércio e comparando o protecionismo a "trancar-se em um quarto escuro para se proteger do perigo", já é uma reação?
Rajan: Sim. Ele estava defendendo a continuação da abertura mundial. E a questão é: será que a China não vai tentar substituir [a Parceria Transpacífico] por acordo de sua autoria? E, talvez, as pessoas comecem a repensar: "Pode ser que estejamos nos distanciando do centro e ficando marginalizados em alguns acordos".
Valor: A expectativa de estímulo fiscal é o principal componente da previsão do Banco Mundial para a economia global em 2017. Espera-se que a economia dos EUA cresça 2,2% neste ano. A opinião preponderante é a de que ela vai se beneficiar com os cortes em impostos, os gastos em infraestrutura e a desregulamentação que Trump promete para alavancar a economia e "fazer com que os EUA voltem a ser grandes". Como esse discurso vai funcionar no mundo real e quais são os perigos?
Rajan: Qualquer espécie de estímulo fiscal tem de levar em conta que, de acordo com o relatório mais recente do Ministério do Trabalho, os salários cresceram 2,9% na comparação com o ano anterior. Se os salários crescem 2,9% e a produtividade está em cerca de 1%, a inflação subjacente é de cerca de 1,9%. Essa é mais ou menos a taxa que o Fed quer. Se o relatório faz parte de uma tendência, se não é um ponto fora da curva, isso sugere que os EUA estão muito perto do pleno emprego. A consequência de um estímulo adicional significativo em um país que está perto do pleno emprego é mais inflação, a não ser que o emprego meio que traga à tona [outras questões]. Uma das coisas que aconteceram nos EUA foi que muita gente ficou desiludida e abandonou a força de trabalho. A taxa de participação é de cerca de 62%, em vez de 66%. Em parte, isso também se deve ao envelhecimento da população. Mas a questão é: será que essas pessoas têm as qualificações necessárias para os novos empregos que são criados? Se não têm, estamos praticamente com pleno emprego. Logo, qualquer estímulo adicional geraria mais inflação, o que quer dizer que o Fed teria de ser mais enérgico [e aumentar mais os juros]. A grande incerteza neste momento é: quanto do estímulo fiscal será de fato implementado? Qualquer plano de infraestrutura levará bastante tempo para ser realizado. Portanto, haverá um hiato.
Valor: Qual o efeito da redução de impostos?
Rajan: A questão é: quanto há de espaço para efetuar cortes, que geram um déficit maior, sem que se reduzam substancialmente os gastos? O déficit poderia ser significativamente maior. Me parece que a real medida de estímulo ao crescimento não inflacionário por parte do governo poderia ser a revisão e o ajuste da regulação de alguns setores, melhorando sua eficácia para que as empresas possam investir e crescer. A proposta do novo Código Fiscal tem alguns bons elementos; é claro que a parte que diz respeito ao Border Tax [Imposto de Fronteira] preocupa algumas pessoas.
Valor: O senhor acha que um crescimento econômico mais vigoroso dos EUA pode ser benéfico para países emergentes como Brasil, Índia, China ou mesmo México?
Rajan: Há consequências boas e ruins. Se a economia americana cresce muito, acho que, em linhas gerais, isso é bom para o mundo, porque possibilita àqueles países exportarem mais aos EUA. Por outro lado, se a consequência for um dólar mais forte e a realocação de capital daqueles países para os EUA, isso tem duas consequências potencialmente adversas. Uma delas é que quem tem dívidas em dólar terá mais dificuldade em honrar seus compromissos, haverá um certo grau de estresse financeiro, e uma queda na disponibilidade de financiamento em dólar também gerará estresse. A segunda consequência é que um dólar relativamente forte pode gerar um impulso protecionista ainda mais forte nos EUA.
Valor: Um dólar mais forte seria bom para esses países em termos de exportação, mas levando em conta que o dólar mais forte geraria mais protecionismo, para esses países seria mais difícil exportar.
Rajan: É exatamente isso.
Valor: O senhor já disse que ocorre uma insurreição populista, não só nos EUA, mas também na Europa. Como o senhor explica o Brexit, Trump e mesmo a força populista na França?
Rajan: Trata-se da combinação de desemprego, ou medo do desemprego, de grupos que tinham uma existência confortável de classe média no passado, que tinham bons empregos em fábricas. Mesmo só tendo concluído o ensino médio, eles ganhavam salários razoáveis. Essas fábricas fecharam. Quando fecharam, não só perderam sua renda econômica, mas também viram suas comunidades se desintegrarem. Na opinião dessas pessoas, o sistema capitalista não funciona. Além disso, houve a crise financeira mundial, que essencialmente disse a essas pessoas que a elite que vinha dirigindo a economia, na verdade, não sabia fazê-lo e cometia erros. É isso que as deixa com mais raiva, porque o sistema perde legitimidade.
Valor: Nesse cenário surge alguém como Donald Trump, que diz: "Vou levar vocês de volta ao tempo em que vocês tinham empregos, a vida era boa e vocês eram felizes".
Rajan: Sim, e ainda que na verdade eles não acreditem que ele vai trazer de volta os empregos nas minas de carvão, Trump parece ser suficientemente radical se o compararmos com políticos à moda antiga. E ele não tenta "vender" o livre-comércio, a abertura das fronteiras e uma sociedade multicultural. Ele diz: "Vou levar vocês de volta ao passado". Acho que essa visão nostálgica funciona muito bem, ainda que seja praticamente impossível de realizar.
Valor: O que vai acontecer no Reino Unido? A primeira-ministra britânica Theresa May está conduzindo o país a um Brexit bem rígido.
Rajan: Penso que a intenção do governo do Reino Unido é tentar manter as virtudes do livre-comércio, sem herdar o livre movimento de pessoas, que era uma das liberdades essenciais que a União Europeia havia negociado. A questão é se eles podem ter as duas coisas. Se podem escolher o que querem do "cardápio" que a União Europeia oferece. E a União Europeia já disse muito claramente: "Não vamos permitir que se escolha livremente do cardápio". O que houve até agora foram pré-negociações, tentativas de definir posições básicas para a negociação. O que de fato vai acontecer no futuro? Não sei. Ambos os lados têm muito a perder no caso de uma ruptura abrupta entre o Reino Unido e a União Europeia. Vamos ter de esperar para ver que tipo de estrutura surgirá dessas negociações. Uma ruptura abrupta entre Reino Unido e Europa, sem qualquer acordo comercial, será prejudicial para ambos os lados.
Valor: As taxas de juros nos EUA subiram e devem continuar em alta, especialmente com a expectativa de a inflação gerada por um eventual estímulo, mas o Banco Central Europeu afirmou que manterá suas taxas nos níveis mais baixos da história em 2017. O Japão segue o mesmo caminho. Como ficará a política monetária mundial com os EUA caminhando em uma direção e Europa e Japão caminhando em outra?
Rajan: Nos EUA está acontecendo antes porque a economia americana está em uma situação muito melhor. À medida que outras moedas se desvalorizarem em relação ao dólar, elas vão se fortalecer um pouco; a inflação nesses países também vai crescer um pouco, e eles terão a oportunidade de colocar suas economias em uma situação de maior crescimento. É o começo da saída [da crise] e é uma boa notícia. As outras economias estão atrasadas em termos de crescimento e estágio do ciclo empresarial, portanto sua saída vai demorar um pouco mais. Mas acho que isso é necessário.
Valor: A economia brasileira atravessa crise profunda e muitos economistas, inclusive o senhor, já criticaram o Brasil por ter gastado mais do que podia. Como o senhor vê a profunda crise atual e qual sua visão para o futuro do país?
Rajan: O Brasil está tentando se reconstruir para sair do ambiente econômico adverso em que se encontra. Espera-se que daqui para a frente, o petróleo deixe de ser um fator negativo e ajude um pouco, porque seu preço está subindo novamente. As reservas do pré-sal, tão alardeadas no passado, se tornarão cada vez mais viáveis à medida que o preço do petróleo aumenta, e poderão ser uma grande fonte de força para o país no futuro. A economia brasileira é naturalmente vibrante, e isso tem de ser restaurado. Mas, além disso, vocês estão passando por um processo de autoanálise, de tentar eliminar certas práticas problemáticas, e acho que, quando um país consegue fazer isto sozinho, na ausência de uma crise realmente grave, isso reflete uma força do sistema, e não uma fraqueza. A força de tentar identificar onde estão os problemas e tentar saná-los por conta própria. E espera-se que ao fim desse processo, vai haver um sistema em que todos acreditam e confiam mais. É isso que cria as condições para um crescimento mais forte e sustentado.
Valor: O senhor preconiza reformas. O Brasil está tentando aprovar grandes reformas no Congresso, como da Previdenciária, e depois, possivelmente a Trabalhista e Fiscal. No ano passado, foi aprovada uma emenda constitucional que limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior...
Rajan: Medidas importantes estão sendo tomadas no âmbito fiscal, para colocá-lo sob controle. Para sua sustentabilidade, todo mercado emergente deve colocar os gastos fiscais sob controle e abrir espaço para investimentos governamentais importantes, em coisas como infraestrutura necessária. Isso é parte do que tem de ser feito, e está sendo feito.
Valor: Quais são as outras partes?
Rajan: A segunda parte é, no lado monetário, retomar o controle da inflação, o que o Banco Central, sob o comando de Ilan Goldfajn, está fazendo bem. Esses dois elementos são essenciais à restauração da macroestabilidade. A partir do momento em que se atinge a macroestabilidade, também é possível empreender reformas estruturais para que fique mais fácil fazer negócios no país. E melhorar a qualidade do sistema educacional, melhorar a qualidade das universidades, que já são fortes etc.. Tudo isso seria bom, mas a primeira coisa é criar macroestabilidade, para que o crescimento não caia ainda mais e comece a retornar, e acho que o Brasil está fazendo isso.
Valor: O Brasil está às voltas com a Operação Lava-Jato. O escândalo mostra a profundidade com que a corrupção penetrou o establishment político e empresarial. O senhor é um crítico do capitalismo de compadrio. Seu amigo Luigi Zingales escreveu um livro, "Um Capitalismo para o Povo", sobre o tema, afirmando que também é um problema nos EUA. Como o capitalismo pode funcionar melhor, já que este é um enorme problema no mundo todo?
Rajan: Temos de descobrir como renovar constantemente o capitalismo. As soluções podem não ser as mesmas de antes. Precisamos encontrar novas soluções. Acho que o compadrio decerto existe em diversos países, e acho que o aspecto do capitalismo do qual muitas pessoas se ressentem é sua versão compadrio: algumas pessoas ficam com todo o lucro injustamente. Acho que Luigi faz uma distinção, que é bem importante, entre governos pró-empresário e governos pró-mercado. A diferença é que em um governo pró-empresário algumas companhias fortes capturam o governo, ao passo que um governo pró-mercado cria um ambiente justo em que todos podem competir. Acho que no mundo todo, se as pessoas puderem ser convencidas de que o sistema é pró-mercado e de que elas podem participar desse sistema com base em suas capacidades, elas veriam o capitalismo de forma muito mais positiva do que em uma situação em que veem que só o "compadre" se beneficia. Todos temos que trabalhar para fazer isso acontecer.
Valor: O senhor concorda com o professor Larry Summers, segundo o qual o mundo está vivendo uma estagnação secular? Quanto tempo o senhor acha que isso irá durar?
Rajan: Estagnação secular descreve um cenário mundial de crescimento relativamente lento, mas não define as causas, porque há inúmeras causas possíveis. Concordo que provavelmente estamos numa fase de crescimento relativamente lento, em parte pelo envelhecimento populacional, em parte pelo baixo crescimento da produtividade, mas se há algum outro fator que está mantendo o crescimento baixo, ou se temos que trabalhar para isso [não está claro]. Podemos buscar meios de aumentar a produtividade e, assim, o potencial de crescimento. Não há solução para o envelhecimento. O que pode ser solucionado é a produtividade, talvez. Mesmo no caso da produtividade, não sabemos por que há uma desaceleração. Mas acho que são necessárias reformas estruturais contínuas, para aumentar a capacidade produtiva da economia. É nisso que devemos nos concentrar.
Valor: O senhor é famoso pelo paper que divulgou em Jackson Hole alertando sobre o risco que o sistema financeiro representava à economia global, em 2005. Hoje, quase dez anos depois do início da turbulência financeira, muita gente acha que haverá uma reação negativa à regulações pós-crise, como a Lei Dodd Frank e a regra Volcker. A desregulação financeira será ruim para a segurança do sistema financeiro?
Rajan: No passado faltava regulação e o que criamos foi um monte de regulações, muitas delas necessárias e outras desnecessárias...
Valor: Por exemplo?
Rajan: Sabia que você ia me perguntar isso!
Valor: Só alguns exemplos...
Rajan: Em se tratando de capital, por exemplo, passamos do limite. Passamos a ter mais exigência de capital, e mais exigência de capital, e outra exigência de capital adicional. O excesso de regulação inibe a disposição de correr riscos. Este é o objetivo da regulação, mas o que se quer é inibir o risco excessivo, não todo e qualquer risco! É preciso atingir o equilíbrio. Acho que os bancos, hoje, por causa do compliance, por causa das exigências relativas ao capital, estão evitando lidar com players mais novos em mercados emergentes, por exemplo, por medo de que eles venham a ser problemáticos. Não estou dizendo que sabemos ao certo o que é excessivo e o que não é, mas é preciso reanalisar as regulações e saber onde se foi longe demais. Mas o que já temos é uma reação à reação. A reação à crise foi o aumento da regulação, e agora temos uma reação a isso, porque fomos longe demais...
Valor: O senhor, portanto, acha que é preciso mesmo uma revisão?
Rajan: A sociedade segue nesse processo. Talvez o processo tenha ficado um pouco mais comprimido. Estamos movimentando o pêndulo do "vamos regular" para o "vamos desregular" bem rapidamente. No passado, isso demorava mais. Eram 20 ou 30 anos de regulação crescente, seguidos de 20 ou 30 anos de desregulação. Hoje, são 10 anos de regulação e já vemos pedidos de desregulação. Mas contanto que se façam pequenos ajustes e se mantenha parte dos bons aspectos essenciais, não acho que seja ruim. Uma revisão abrangente da regulação é que seria problemática, haja visto que houve muita discussão para se chegar às regulações adequadas.
Valor: A maioria dos Brics enfrenta adversidades políticas e econômicas: a economia chinesa desacelerou, a Rússia está em recessão, o Brasil enfrenta os problemas que já mencionamos, o presidente sul-africano Jacob Zuma escapou do impeachment etc. Mas o senhor acha que os Brics têm futuro enquanto grupo diante do isolacionismo de Trump?
Rajan: Sempre foi um grupo improvável, um simples agrupamento dos maiores mercados emergentes. Isto posto, se os países conseguirem encontrar interesses comuns, assim como o G7 funciona para os países industrializados, há um papel a ser desempenhado por um G5 ou um G6 dos mercados emergentes. Eles poderão se reunir e dizer: "Eis algumas coisas que precisamos buscar para defender os interesses dos mercados emergentes; vejamos como coordenar nossas estratégias para esse fim". No tocante a várias questões em relação às quais os países industrializados têm uma visão em particular, eles se coordenam antes dos encontros internacionais, propõem sua visão e se apoiam mutuamente para este fim. Considerando que os mercados emergentes são cada vez mais importantes, isso é algo que eles devem fazer. Eles não têm experiência em fazê-lo, porque, muitas vezes, quando divergem em seus pontos de vista, eles ficam contentes se seu ponto de vista particular é atendido e não tentam se coordenar num grupo mais amplo. Logo, acho que será preciso que os mercados emergentes mudem alguns aspectos do seu comportamento, mas é bem possível que aconteça.
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