CAPITALISMO XX.I
Sérgio
Besserman
Valor,
01/09/2012
O mundo moderno é muito complexo para ser reduzido a uma fórmula, uma
condenação ou uma solução. Deve ser observado sem arroubos de entusiasmo ou de
indignação“
Raymond Aron
É pouco provável
que antes da crise financeira de 2008 a proposta de analisar os novos rumos do
capitalismo fosse capaz de atrair público. Desde o fim dos anos 1980, depois da
queda do Muro de Berlim, o sucesso da economia capitalista globalizada, com a
incorporação da China transformada em nova locomotiva, não deixava dúvida: as
modernas economias de mercado eram incomparáveis na sua capacidade de criar
riqueza, estimular o progresso tecnológico e garantir o crescimento. Onde há
consenso, o debate, a análise, não desperta interesse. Toda unanimidade é
burra, costumava repetir Nelson Rodrigues. Mas não só as economias, também as
convicções são cíclicas.
O termo
“capitalismo” data do fim do século XIX. A expressão “o capitalista”, como
referência ao dono do capital, aparece antes, já no início do século XIX,
utilizada por autores como David Ricardo e outros, mas “o capitalismo”, como um
sistema de organização social e econômica, foi cunhado por seus críticos – o
mais famoso deles, evidentemente, sendo Karl Marx, em “O Capital”, de 1867.
Muitos outros, anarquistas e socialistas, como Pierre-Joseph Proudhon e Werner
Sombart, utilizaram o termo para definir uma forma de organização econômica e
social, em que a produção e a distribuição de bens e serviços são de
propriedade privada e têm fins lucrativos, ou seja, visam a acumulação de
capital.
O capitalismo,
em várias vertentes, é dominante no mundo ocidental, desde o fim do feudalismo
medieval. Inicialmente, sua versão primitiva, mercantilista, baseada no
comércio, foi estimulada pelas oportunidades que se abriram com o avanço da
navegação e as descobertas do Novo Mundo. Só com a Revolução Industrial do
século XIX, quando surge o mercado de trabalho assalariado, o capitalismo
adquire as características que seus críticos do fim daquele século – Marx,
sobretudo – lhe atribuem. O fato de o termo ter sido cunhado por seus críticos
lhe confere uma conotação negativa, atenuada ao longo do tempo, mas que ainda
hoje não deixa de suscitar polêmica.
O sistema de
preços determinados nos mercados, pela interação da oferta e da demanda, é um
dos elementos do capitalismo moderno, mas o capitalismo, nas suas várias
formas, não se confunde com o mercado competitivo, que é uma abstração
conceitual, um idealtipo. As economias capitalistas observadas na prática,
desde o século XIX até hoje, não são homogêneas. Formas muito distintas de
organização econômica, tanto em termos de distanciamento do idealtipo
competitivo, quanto em relação à propriedade exclusivamente privada do capital,
são qualificadas como capitalistas. Daí os inúmeros apostos qualificativos –
como mercantil, industrial, monopolista, de Estado, financeiro, corporativo –
comumente encontrados quando se fala em capitalismo.
Desde sua
introdução com Marx, no fim do século XIX, até o último quarto do século XX, e
a derrocada do comunismo soviético, o termo capitalismo esteve sempre associado
a uma conotação crítica. Durante quase todo o século XX, a visão progressista
dominante sustentou que o capitalismo, embora criador de riquezas, era
intrinsecamente injusto, estimulador das desigualdades e desagregador. Por
estar baseado na exploração do trabalho, transformado em mercadoria, conduzia à
luta de classes, à deterioração da vida comunitária e do espírito público. Mas
essa nem sempre foi a visão intelectualmente dominante. A partir do fim do
século XVI, durante todo o século XVII e parte do século XVIII, a atividade
mercantil – na época ainda não chamada de capitalismo – foi vista como um fator
altamente positivo e civilizatório.
Como sustenta
Albert Hirschman em “Rival Views of Market Society”, de 1986, a ideia de que o
interesse individual, em contraposição às paixões, é socialmente positivo,
aparece no fim do século XVI. O duque de Rohan, em “On the Interest of Princes
and States”, defende a tese de que o interesse econômico do príncipe,
perseguido de forma racional, com prudência e moderação, serve melhor ao
interesse comum, ao bem de todos, do que a sociedade deixada ao sabor das
paixões, da busca da glória pessoal, de acordo com o ideal heróico medieval. A
busca, metódica e ordenada, do interesse econômico individual passou a ser
vista como amplamente preferível às ações dirigidas pelas paixões, violentas,
desordenadas e imprevisíveis.
Na época, a tese
progressista era de que o comércio, conduzido pelos interesses individuais, em
busca de ganhos materiais, serviria de freio mais eficiente ao comportamento
passional, do que o tradicional apelo à religião, ao dever e à moral. O
comércio era visto como elemento civilizador, tanto para os senhores, como para
seus súditos. “Le doux commerce”, percebido como indutor do contato entre
estrangeiros, estimulador da moderação e da probidade, entre outras virtudes.
A valorização do
interesse econômico, em contraponto à paixão, ajudou a legitimar a atividade
comercial. Levou à valorização da vida privada, que, desde o mundo clássico até
a Renascença, sempre esteve relegada ao nível mais baixo da hierarquia das
atividades humanas. A valorização da vida privada, por sua vez, permitiu o
aumento do consumo pessoal, que se transformou em elemento-chave do dinamismo
capitalista da modernidade.
A valorização
intelectual da busca do interesse econômico individual atingiu seu ápice com o
Iluminismo escocês, ainda no século XVIII. O fascínio pela a ideia da busca dos
interesses indiviuais como elemento de civilização e progresso, levou à
formulação da tese da “mão invisível” de Adam Smith. Perseguir interesses
individuais seria não apenas racional, como também a melhor forma de atender ao
interesse público. O bem-estar de todos estará mais bem atendido se perseguido
de forma indireta. Em paralelo, surge a valorização do homem médio, do “middle
rank”, do pequeno comerciante, do pequeno empresário, que na segunda metade do
século XIX, quando os ventos intelectuais já tinham mudado, são pejorativamente
designados de “os burgueses” por Marx.
Os primeiros
sinais da mudança dos ventos das ideias aparecem no início do século XIX. Com a
Revolução Industrial, os interesses econômicos se tormam dominantes. Surge então o
lamento nostálgico pelo “mundo que perdemos”, bem expresso por Edmund Burke:
“The age of chivalry is gone, that of sophisters, economists and calculators
has succeeded, and the glory of Europe is gone forever”. Numa reversão surprendente, a
sociedade feudal, que era vista como “rude e bárbara”, sempre ameaçada pelas
paixões de tiranos violentos, passou a ser vista com nostalgia, baseada em
valores como a honra, o respeito, a confiança e a lealdade. Valores sem os
quais a sociedade movida pelos interesses individuais não poderia funcionar,
mas que haviam sido erodidos por ela.
A nostalgia do
mundo perdido abre caminho para os novos críticos, mais duros, da sociedade
capitalista. A crítica deixa de ser cultural, nostálgica. Passa a denunciar a
capacidade destrutiva, desagregadora, das novas forças liberadas numa sociedade
integralmente movida pelos interesses materiais. Assim como a valorização dos
interesses individuais e do comércio atingiu seu ápice com David Hume e Adam
Smith, a mudança de rumo dos ventos intelectuais, a partir do fim do século
XVIII, culminou com Karl Marx, na segunda metade do século XIX.
Do fim do século
XIX até o último quarto do século XX, a crítica marxista foi intelectualmente
predominante. A alternativa marxista ao capitalismo – a revolução proletária e a
socialização dos meios de produção – pode ter permanecido sempre polêmica, mas
a crítica marxista influenciou de forma decisiva os rumos do capitalismo no
século XX.
De forma esquemática, a crítica
marxista ao capitalismo tem quatro vertentes:
1. A econômica, segundo a qual o
sistema seria instável, sujeito a crises recorrentes, até a crise final, que
abriria espaço para a alternativa socialista.
2. A social, segundo a qual o sistema
seria injusto, baseado na exploração do trabalho assalariado, levaria à concentração
da renda e seria incapaz de erradicar a pobreza, pois ela exerce o papel
funcional de “exército industrial de reserva”.
3. A política, segundo a qual a
democracia capitalista é uma impostura. A alienação cultural impediria os
trabalhadores de comprender que não há interesses comuns, mas sim interesses de
classes, que não podem ser reconciliados na democracia representativa
capitalista.
4. A cultural, segundo a qual o
sistema levaria à alienação dos trabalhadores em relação aos seus verdadeiros objetivos.
No capitalismo, a sociedade é consumista, egoísta e alienada.
Ao longo do século XX, a crítica
marxista, sempre como referência, foi sendo gradualmente enfraquecida.
A crítica
econômica foi desacreditada pela receita de John Maynard Keynes, na “Teoria
Geral da Renda e do Emprego”, de 1936. Formulada depois da Grande Crise dos
anos 1930, foi refinada durante os anos 50 e 60, até culminar com a chamada
“síntese macroeconômica” dos anos 80. A fórmula para evitar as grandes
flutuações macroeconômicas das economias capitalistas havia sido encontrada. A
receita era ter a dívida pública sob controle, uma política fiscal
contracíclica, uma política monetária pautada por metas inflacionárias e a taxa
de cambio flutuante. Nas últimas décadas do século XX, consolidou-se a
impressão de que os ciclos macroeconômicos haviam sido finalmente eliminados.
Uma nova era, “A Grande Moderação”, havia chegado, com a descoberta do remédio
para a instabilidade crônica da economia capitalista.
A crítica social
foi aplacada pelas reformas tributárias, trabalhistas e sociais do pós-Segunda
Guerra. Em todo o mundo ocidental, principalmente na Europa, foi criada uma
rede de proteção trabalhista e de assistência social, através do significativo
aumento da participação do Estado na economia. A economia capitalista do
“Welfare State” parecia ter respondido à crítica social do capitalismo, sem
necessidade de suprimi-lo.
A crítica
política à democracia representativa capitalista foi desmoralizada pelo
autoritarismo, pela violência oficial e pela falta de liberdades cívicas dos
regimes comunistas. A começar pelo soviético, mas também pelo dos seus
satélites no Leste Europeu, assim como em Cuba, na China e em toda parte onde o
comunismo de inspiração marxista foi instaurado.
A crítica cultural,
primeiro rompeu com a ortodoxia marxista, através da chamada Escola de
Frankfurt, do Institute for Social Research, fundado na década de XX, por onde
passaram pensadores como Max Hockheimer, Theodor Adorno, Erich From, Herbert
Marcuse e, mais recentemente, Jürgen Habermas. Depois se distancia
definitivamente do marxismo e se confunde com a crítica da modernidade, como é
o caso do filósofo polonês Lesleck Kolakowski, com “Modernity on Endless Trial”
(1990), do historiador americano Daniel J. Boorstin, com o brilhante e pioneiro
“The Image: A Guide to Pseudo-events in America” (1961), cuja temática é
retomada pelos franceses Guy Debord, em “La Société du Spetacle” (1967) e Jean
Baudrillard, em La Société de Consommation” (1970) e “Simulacres et Simulation”
(1981).
De forma
progressiva, tanto intelectualmente quanto na prática, a crítica marxista foi
perdendo força, até ser completamente marginalizada com a derrocada da União
Soviética, a queda do Muro de Berlim e a adesão da China ao capitalismo mundial.
Nas duas décadas, desde o final dos anos 1980 até a crise de 2008, o sucesso da
economia globalizada parecia ter enterrado definitivamente a crítica marxista.
Todo um conjunto de ideias, que serviu de pano de fundo para o grande debate
intelectual e para a revisão do capitalismo do século XX, parecia ter sido
relegado à história do pensamento. Uma nova visão hegemônica teria se
consolidado: o que se pode chamar de o otimismo do capitalismo tecnológico. Os
extraordinários avanços da tecnologia, estimulados pela competição capitalista
de um mundo globalizado, abririam novas e inimagináveis possibilidades.
O quadro mudou
com a crise de 2008. A “Grande Moderação”, conquistada com a aplicação da
“Síntese Macroeconômica”, revelou-se um equívoco. A sofisticação dos mercados
financeiros, com o desenvolvimento dos mercados virtuais, dos chamados
“derivativos”, que em tese deveria ter sido capaz de reduzir ou dispersar
riscos, mostrou-se apenas mais uma forma de exponenciar o endividamento e a
alavancagem. Uma alavancagem impermeável aos olhos, não apenas das autoridades
reguladoras, mas também aos olhos dos próprios dirigentes das instituições que
a utilizavam.
Quando a crise
eclodiu, a escala das instituições financeiras globalizadas obrigou os governos
nacionais a socorrê-las. Evitou-se um grande colapso, mas à custa de um aumento
expressivo da dívida pública e do passivo dos bancos centrais. Em alguns casos,
como na Islândia e na Grécia, o endividamento público superou o limite
tolerável e levou à quebra do Estado. Na Europa, a crise bancária está
temporariamente reprimida pelo financiamento do Banco Central Europeu de Mario
Draghi aos bancos centrais nacionais. Mas ainda ameaça o euro e a própria União
Europeia.
Os Estados
Unidos, favorecidos pela condição de emissores da moeda reserva mundial, foram
capazes de reagir de forma mais radical em relação à atuação do seu banco
central. Desde 2008, o Fed expandiu de forma agressiva seu passivo e monetizou
grande parte do aumento do endividamento público decorrente do socorro ao setor
financeiro. A lição aprendida com a crise dos anos 1930 permitiu que uma nova
Grande Depressão fosse evitada. Em contrapartida, a economia americana continua
excessivamente endividada. Parte do excesso de dívida privada foi transferido
para o setor público, mas o endividamento total, público e privado, continua
excessivo.
A depressão tem
custos intoleráveis, mas, com a quebra generalizada, elimina-se o excesso de
endividamento e abre-se a porta para um novo ciclo de expansão. Ao evitar-se a
quebra, impede-se a redução, catastrófica, mas natural, do excesso de dívidas
que precisam ser digeridas, antes que o consumo e o investimento possam retomar
fôlego. Troca-se um fim horroroso por um horror sem fim.
Diante desse
impasse, o autor a ser reestudado é com certeza Joseph Schumpeter. Economista
austro-húngaro, com longa carreira na academia e no setor público, primeiro na
Europa e depois na academia americana, Schumpeter é o grande teórico dos ciclos
econômicos. Já nos anos 1930, era crítico em relação à excessiva formalização
matemática da teoria econômica. Segundo ele, a tentativa de mimetizar as
ciências naturais, em nome do rigor metodológico, resultava na incapacidade de
compreender a economia como um fenômeno social. Defensor entusiasmado do capitalismo
e da fecundidade do espírito empresarial – do “entrepreneur” – enfatizou a
importância da “destruição criativa” do capitalismo como mola propulsora dos
avanços em todas as esferas da sociedade. É provável que, ao se domesticar o
capitalismo, ao controlar artificialmente suas forças cíclicas naturais,
pode-se ter esclerosado grande parte de suas virtudes, de sua força criativa e
renovadora.
A economia
americana continua estagnada. Assim como o Japão está estagnado há mais de 15
anos, depois do fim de uma bolha imobiliária, os Estados Unidos também deverão
ficar estagnados até que o excesso de dívida seja digerido. A China foi capaz
de sustentar altíssimas taxas de crescimento, mesmo depois da crise de 2008.
Serviu de locomotiva, principalmente para os países exportadores de
matérias-primas, como o Brasil, e impediu que a economia mundial como um todo
estagnasse, mas já há sinais de que economia chinesa está em processo de
desaceleração.
Quatro anos
depois do inicio da crise, ainda não há solução à vista. Não há nem mesmo
consenso sobre como proceder. O debate, hoje, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos, parece estar polarizado entre o imperativo contraditório de
manter o endividamento público sob controle e relançar o crescimento, através
do estímulo keynesiano de mais gastos públicos. A ortodoxia fiscal é defendida
primordialmente pelos republicanos nos Estados Unidos e pela Alemanha na
Europa. A política fiscal anticíclica keynesiana é defendida pelos democratas
nos Estados Unidos e pela França de François Hollande.
À primeira
vista, crescer parece ser a solução. O crescimento reduz o valor relativo das
dívidas. Sem crescimento, ao contrário, as dívidas nunca serão digeridas. A
lógica sugere que não se deve tentar controlar a dívida pública enquanto a
economia está estagnada, pois o resultado é uma política fiscal pró-cíclica,
que pode levar à queda da renda e ao agravamento da relação entre a dívida
pública e o produto.
Ocorre que a
terapia keynesiana foi concebida para a economia que passou pela depressão e
eliminou o excesso de dívidas, para a economia que está paralisada, mas pronta
para reagir ao estímulo dos gastos governamentais. Os gastos públicos funcionam
então como um motor de arranque, capaz de relançar o consumo e o investimento,
numa economia devastada pelas quebras generalizadas. O aumento dos gastos
públicos é questionável numa economia ainda com excesso de dívidas públicas e
privadas. Consumidores sobre-endividados poupam toda renda adicional para
reduzir suas dívidas. Governos sobre-endividados, que gastam mais do que
arrecadam, correm o risco de perder a credibilidade e não serem mais capazes de
refinanciar suas dívidas. Uma verdadeira sinuca de bico.
A aplicação do
remédio keynesiano é hoje questionável. A possibilidade de que estejamos
próximos de duas restrições, que eram ainda distantes nos anos 1930, exige,
efetivamente, repensar os rumos do capitalismo. A primeira é o limite do
tolerável – no sentido de não vir a se tornar disfuncional – da participação do
Estado na economia. Em toda parte, até mesmo onde o capitalismo nunca foi
seriamente questionado, como nos Estados Unidos, houve, ao longo de todo o
século XX, sistemático aumento da carga fiscal e da participação do Estado na
renda nacional. As respostas, tanto para a crítica econômica – da instabilidade
intrínseca – quanto para a critica social – da desigualdade crônica – ao
capitalismo, levaram ao aumento da participação do Estado na economia.
A segunda nova
restrição é a proximidade dos limites físicos do planeta. É evidente que não
será possível continuar indefinidamente com a série de ciclos de expansão do
consumo material, alimentado pela turbina do crédito, até uma nova crise, que
só se resolve com mais crescimento. A menos que haja uma radical mudança
tecnológica, será preciso encontrar a fórmula do aumento do bem-estar numa
economia estacionária. A mudança tecnológica não parece provável, pois a
questão do ambiente é um caso clássico de bens públicos, que o mercado não
precifica de forma correta. Pode-se dizer que os problemas do capitalismo são
decorrentes do seu sucesso. As respostas desenvolvidas para aplacar as
críticas, quanto à instabilidade intrínseca e à injustiça social, levaram a um
extraordinário aumento do consumo material e da participação do Estado na renda.
Duas críticas,
uma à direita e outra à esquerda, depois de um longo período em que ficaram
abafadas pelo sucesso do capitalismo de massas, merecem ser reavaliadas. A
primeira, à direita, a da chamada Escola Austríaca, é quanto ao risco do
aumento crônico da intermediação do Estado na economia. Um de seus expoentes,
Hayek, tem sido recentemente contraposto a Keynes na questão das políticas
anticíclicas, mas esta não me parece sua contribuição relevante. É no seu papel
de defensor do mercado, como insuperável transmissor de informação e
estimulador da criatividade, que se pode encontrar a mais coerente e
fundamentada análise dos riscos econômicos e sociais do aumento do papel do
Estado.
A crítica à
esquerda é quanto ao risco do consumismo. A tese da alienação consumista
permeia a crítica cultural do capitalismo de massas, desde a Escola de
Frankfurt, até os novos teóricos da sociedade do espetáculo.
Já há, neste
curto período desde a crise de 2008, sinais de que a crítica cultural ao
capitalismo será retomada. Dois livros recém-lançados questionam o capitalismo
como uma troca faustiana – “How Much is Enough”, de Robert e Edward Skidelsky,
e “What Money Can’t Buy”, de Michael Sandel. Ao transformar todas as esferas da
vida numa questão de cálculo financeiro, ganhamos capacidade de criar riqueza,
mas, em contrapartida, nos tornamos insaciáveis. A busca desenfreada por
crescimento econômico, por mais consumo material, nos levou a esquecer de por
que queremos mais. Mais consumo material tornou-se um objetivo em si mesmo.
Sandel sustenta que a comercialização de algumas esferas da vida corrompe seu
significado. Ecos da crítica marxista à “commoditização” e à alienação
capitalista. Robert e Edwar Skidelsky sustentam que o capitalismo moderno levou
ao esquecimento do que o mundo clássico definiu como “The Good Life”.
Será preciso superar o fosso profundo do preconceito ideológico –
enraizado por um século de debate rancoroso – para encontrar a síntese dessas
duas vertentes críticas e encontrar respostas para o que me parecem as duas
grandes questões de nosso tempo. Primeiro, como reduzir a disparidade dos
padrões de vida, sem continuar a aumentar a intermediação do Estado e
restringir as liberdades individuais. Segundo, como reverter o consumismo, a
insaciabilidade material, sem reduzir a percepção de bem-estar. São grandes
desafios, sem dúvida. A competição capitalista parece-me imprescindível para
que seja possível encontrar as respostas aos problemas criados pelo seu
sucesso. Só a pluralidade das ideias, que foi capaz de desmistificar todo tipo
de autoritarismo, seja o religioso, o fundamentalista ou o ideológico, e criar
a cultura da automomia do indivíduo, será capaz de fazer a revisão cultural que
as circunstâncias exigem, sem sacrificar as conquistas do Iluminismo.
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