Ao crescimento benigno da próstata, um copo de vinho
Marcel Aymé dizia que a história da vida invariavelmente termina mal.
Além da decadência física e do espectro da morte, os homens ainda enfrentam o
tormento das doenças da próstata, pequena glândula situada na saída da bexiga e
que produz o esperma, líquido que transporta os espermatozóides no momento da
ejaculação.
Por que essa estrutura tão diminuta, que pesa 15 g (o equivalente a apenas
0,0002% do nosso peso!) causa tanta comoção nos homens e na ciência médica?
Erroneamente, porque desde tempos primordiais atribui-se à próstata os dons de
controlar a função e o prazer sexual, atributos que ela definitivamente não
tem. Corretamente, porque essa glândula pode ser envolvida por dois problemas
frequentes e distintos, ambos de consequências negativas para a quantidade e qualidade
de vida de seus portadores.
Em primeiro lugar, a próstata pode originar o câncer mais comum do homem,
que atingirá um em cada seis indivíduos que viverem até os 75 anos e não
poupará nenhum que sobreviver até 100 anos.
Além do câncer, outra doença pode acometer a próstata. Quase todos os
homens apresentam, após os 40 anos de idade, um crescimento benigno da glândula,
chamado de hiperplasia ou hipertrofia prostática. Esse crescimento, sem nenhuma
relação com o câncer local, estrangula a luz do canal uretral e cria graus
variados de dificuldade para se expelir a urina. Nos casos extremos, torna-se
necessária uma cirurgia para aliviar o padecimento urinário.
A frequência do crescimento benigno da próstata aumenta com a idade,
assim como os riscos de uma intervenção cirúrgica local (veja quadro). As
chances de um homem com idade entre 60 e 70 anos apresentar hiperplasia benigna
e necessitar de cirurgia para contornar o problema, são, respectivamente, da
ordem de 80% e 10%, números incômodos até para o menos convicto dos
hipocondríacos.
Além do sofrimento físico que impõe aos seus portadores, o crescimento da
próstata tem implicações econômicas que não podem ser menosprezadas.
Estatísticas publicadas pela Organização Mundial da Saúde indicam que em 1996
gastou-se no mundo US$ 280 milhões com medicações para tratar o problema. Nos
Estados Unidos, onde existem cerca de 30 milhões de homens com mais de 50 anos
de idade, são gastos US$ 2 bilhões a cada ano para o diagnóstico e tratamento
do crescimento benigno da próstata, quase 20% do total de dinheiro destinado à
saúde anualmente em nosso país. Se levarmos em conta que o Brasil tinha em 1996
mais de 12 milhões de homens nessa faixa etária e que esse número dobrará em 20
anos, fica fácil entender o impacto econômico negativo que uma única doença
exercerá sobre a nossa sociedade.
As causas do crescimento benigno da próstata não são completamente
conhecidas, mas sabe-se que alguns fatores aumentam os riscos de aparecimento
do problema. As evidências sobre a transmissão hereditária da doença são
contraditórias, mas levantamento realizado recentemente na cidade de Baltimore,
nos Estados Unidos, demonstrou que a hiperplasia prostática é três vezes mais
comum em homens cujos pais foram submetidos à cirurgia da próstata. Por outro
lado, observou-se que a necessidade de uma intervenção cirúrgica local é 50%
menor em fumantes e em indivíduos obesos. Duas explicações são dadas para essa
observação. A otimista e inédita: o fumo e a obesidade impedem o crescimento da
próstata. Inédita porque pela primeira vez em medicina estaria sendo provado
que o hábito de fumar e o excesso de peso fazem bem à saúde. A segunda
explicação, menos grandiosa e mais plausível, é que tanto fumantes como obesos
têm a mesma propensão que os demais ao crescimento prostático, apenas sofrem
menos cirurgias por não viverem o suficiente para tanto ou por receio dos
médicos de enfrentar casos de maior risco cirúrgico.
Embora quase todos os homens estejam destinados a apresentar sintomas
relacionados com o crescimento da próstata, apenas em 30% ou 40% deles as
manifestações tornam-se mais significativas e inconvenientes. Incluem-se aqui o
enfraquecimento do jato de urina, o aumento do número de micções durante o dia
e, principalmente, à noite, graus variados de urgência para urinar e
desconforto no baixo ventre quando a bexiga está cheia. Vale notar que essas
manifestações são oscilantes, com períodos de melhora espontânea que se
intercalam com outros de exacerbação dos sintomas. Nesse sentido, vários
estudos realizados com pacientes portadores de crescimento prostático
demonstraram, de forma coerente, que cerca de 30% deles apresentam melhora nos
sintomas urinários quando reavaliados após quatro ou cinco anos. Infelizmente,
nesse mesmo período um terço dos casos sofre deterioração do quadro exigindo
tratamento medicamentoso ou cirúrgico.
Manifestações clínicas semelhantes podem surgir nos pacientes com câncer
da próstata. A distinção entre os casos de crescimento benigno ou maligno pode
ser feita com precisão pelo especialista, por meio do toque da próstata e das
dosagens no sangue do antígeno prostático específico (PSA). Felizmente, a
grande maioria dos homens com dificuldade urinária apresenta quadros de
hiperplasia benigna, o que, de qualquer forma, não deve servir de escusa para
tais indivíduos fugirem de uma avaliação médica periódica.
Outras doenças podem produzir sintomas urinários e simular doenças da
próstata, como, por exemplo, enfermidades neurológicas que afetam a bexiga e
alguns casos de câncer de bexiga. Não só os pacientes, mas também os médicos
devem reconhecer essas situações, de modo a evitar que tais casos sejam
tratados indevidamente.
Como consequência do crescimento prostático, alguns pacientes podem
apresentar bloqueio completo da uretra, quadro bastante desconfortável
conhecido como retenção urinária. Felizmente essa complicação surge em apenas 7
de cada 1.000 homens maduros e, na maioria das vezes, reverte-se
espontaneamente após alguns dias. Vale lembrar que a retenção urinária pode ser
precipitada por algumas medicações, principalmente descongestionantes nasais,
agentes anestésicos e drogas antidepressivas, que, por isso, devem ser
empregadas parcimoniosamente em portadores de crescimento prostático.
Com o objetivo de definir a magnitude da obstrução prostática e a
necessidade de tratamento, a Associação Americana de Urologia estabeleceu em
1993 um questionário, cujas respostas são traduzidas por uma escala numérica
(veja quadro). Quando a soma de pontos situa-se entre 0 e 7, o processo
obstrutivo é considerado de pouco significado, não exigindo nenhuma ação
médica. Homens com pontuação entre 8 e 19 vivem, em geral, de forma mais
desconfortável e alguns requerem tratamento, que nesse grupo costuma ser feito
com medicações. Já nos pacientes com a soma de pontos maior que 19, quase
sempre a qualidade de vida está comprometida e o padecimento só pode ser
aliviado definitivamente por meio da cirurgia.
Gostaria de reafirmar que o tratamento da hiperplasia benigna da próstata
somente deve ser instituído quando os sintomas urinários são proeminentes. A
existência de manifestações discretas e toleráveis não justifica a realização
de qualquer tratamento, mesmo quando a próstata apresenta aumento mais
significativo de tamanho. Certos especialistas, muitas vezes por excesso de
zelo, algumas vezes por outro tipo de excesso, costumam indicar a remoção
cirúrgica da glândula sempre que ela está aumentada, com o argumento de que
estariam sendo prevenidos problemas futuros. Essa posição é inconsistente, já
que atualmente as intervenções prostáticas podem ser realizadas com segurança
em homens de qualquer idade. Além do mais, não existiriam filas, hospitais e
dinheiro suficientes se todos os homens com crescimento assintomático da
próstata passarem a ser tratados com medicações ou cirurgia.
Quando se opta pelo tratamento medicamentoso, os especialistas têm à
disposição três grupos de agentes: os bloqueadores adrenérgicos (doxazocina,
tansulozina e outros), os inibidores hormonais (finasterida) e os fitoterápicos
(Saw palmetto, Pygeum africanum e outros). Esses produtos têm eficiência
moderada, promovendo melhora dos sintomas urinários em 30% a 60% dos casos.
Como 10% a 15% dos pacientes tratados desenvolvem distúrbios na esfera sexual e
na regulação da pressão sanguínea, não se justifica a utilização indiscriminada
desses medicamentos. Mesmo levando em conta que os efeitos colaterais são
reversíveis, o tratamento com esses agentes só deve ser instituído quando o
quadro urinário tem certa relevância clínica.
A terapêutica cirúrgica da hiperplasia benigna é recomendada quando o
desconforto urinário está comprometendo a qualidade de vida do homem. A
intervenção pode ser realizada por meio de incisão abdominal (cirurgia aberta)
ou pelo canal uretral (cirurgia endoscópica), essa última mais cômoda por
dispensar uma incisão cutânea, mas exequível apenas em glândulas com crescimento
moderado, menores de 80
gramas .
Quando realizadas apropriadamente, essas intervenções acompanham-se de
sucesso em cerca de 90% dos pacientes. Infelizmente, em 10% dos casos os
sintomas que levaram à cirurgia mantém-se inalterados ou podem reaparecer, em
decorrência de estreitamento do canal uretral causados pela intervenção ou em
consequência de mal funcionamento da bexiga, comprometida pela sua luta
prolongada contra a obstrução prostática. Ademais, as cirurgias da próstata
podem se acompanhar de sequelas, algumas de fácil adaptação, como o orgasmo
seco, que se manifesta em 70% a 95% dos pacientes, e outras mais indesejáveis,
como incontinência ou a perda involuntária de urina, que ocorre em 0,5% a 3%
dos casos.
Uma palavra sobre a possibilidade de impotência sexual, implicada com as
cirurgias prostáticas. Essa complicação, caracterizada pela incapacidade de
obter a ereção peniana apesar do orgasmo preservado, costuma surgir nos
pacientes operados de câncer local, atingindo 25% dos homens com menos de 55 anos
de idade e 60% daqueles com mais de 65 anos. Por outro lado, a literatura
médica revela que a impotência ocorre em 0,5% a 5% dos pacientes submetidos à
cirurgia por crescimento benigno da glândula. Com toda a suspeita que pode ter
a opinião de um cirurgião, atrevo-me a dizer que inexistem riscos de impotência
nas cirurgias de hiperplasia benigna. A meu ver, os eventuais relatos de
disfunção sexual notados em tais casos são gerados por outras causas que não a
intervenção. Nesse sentido, gostaria de citar um estudo realizado na
Universidade de Queens, no Canadá, com o objetivo de avaliar a eficiência do
tratamento medicamentoso da hiperplasia prostática. Um dos grupos de pacientes
recebeu cápsulas que simulavam a medicação, mas que continham apenas farinha, ao
final 6,3% deles queixaram-se de impotência. É óbvio que fatores psicológicos
e, talvez, uma certa propensão, desencadearam a disfunção sexual nesses casos e
isso pode também ocorrer quando se institui qualquer tratamento para o
crescimento da próstata, incluindo a cirurgia.
Para terminar, uma notícia auspiciosa. Talvez já seja possível evitar o
crescimento benigno da próstata. Alguns alimentos provavelmente interferem com
o crescimento dessa glândula, o que explicaria a menor frequência do problema
em homens asiáticos. A soja, certos vegetais (tomate, brócolis, feijão,
ervilha, legumes) e algumas frutas (abóbora, melancia), consumidos em larga
escala nos países do extremo oriente, promovem no organismo um acúmulo de
enterolactonas, daidzeina e genisteina, produtos que têm um efeito inibidor
sobre o crescimento prostático. A ingestão desses alimentos talvez seja pouco
útil para quem já tem sua próstata crescida, mas poderia atenuar o
desenvolvimento da glândula quando praticada desde a adolescência.
Duas outras observações de interesse prático foram feitas recentemente.
Pesquisas realizadas em Honolulu, no Havaí, e em Rhode Island, nos Estados
Unidos, demonstraram que os riscos de uma cirurgia de próstata são 50% menores
nos homens que ingerem diariamente um copo de vinho ou três copos de cerveja,
quando comparados aos indivíduos sem esses hábitos. Um outro estudo do Dr.
Edward Giovannucci, da Universidade de Harvard, demonstrou que homens que
realizam três horas de exercícios físicos semanais têm menos sintomas
atribuíveis ao crescimento da próstata. Mesmo que o valor real dessas
observações não tenha sido perfeitamente esclarecido, acho que nada custa aos
homens incorporarem esses hábitos à sua vida. Na pior das hipóteses, o incômodo
prostático persistirá, todos continuarão indo repetidamente ao banheiro, porém
bem-humorados e de forma mais ágil.
Miguel Srougi, 52, é professor titular de urologia da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e pós-graduado em urologia pela Universidade de Harvard (EUA).
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