Financial Times - 05/01/2017
Três cenários econômicos para a China
A economia cresceu perto de 6,5% em 2016 e deverá repetir o desempenho em 2017. Mas as opções para Pequim são cada vez mais limitadas, e o país depara-se com uma estagnação - ou mesmo uma crise - nos próximos anos, a menos que promova reformas. Quando a moeda e o mercado acionário da China desabaram em janeiro de 2016, muitos investidores internacionais presumiram que o fim estava próximo. Depois de anos de estímulos alimentados por dívidas - crédito barato usado para financiar investimentos em moradias, infraestrutura e capacidade produtiva excessiva - muitos acreditavam que a bolha, enfim, estava estourando.
Não estourou. Estima-se que a economia da China tenha alcançado a meta do governo de crescimento em 2016 de pelo menos 6,5% no Produto Interno Bruto (PIB). O mercado de ações se estabilizou e subiu 19% desde o ponto mais baixo registrado no fim de janeiro de 2016. A alta nas cotações das commodities fez os preços atacadistas voltarem a subir, depois de mais de quatro anos de deflação. A moeda continuou a se desvalorizar, mas de forma ordenada.
Ainda assim, poucos acreditam que os problemas econômicos fundamentais da China foram resolvidos. O crescimento relativamente forte se manteve ao custo de uma alavancagem ainda maior da economia e de um crescimento impulsionado pela indústria pesada poluidora.
Muitos economistas acreditam que as autoridades econômicas estão apenas aumentando o estoque de problemas ao adiar as necessárias e dolorosas reformas e ao almejar metas de crescimento de curto prazo ambiciosas demais.
"O problema básico é que eles têm uma meta de crescimento que é irrealista", diz Jonathan Anderson, diretor do Emerging Advisors Group, em Xangai, e ex-chefe na China do Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Eles [os líderes chineses] vêm falando ´em vez de 6,5%, vamos buscar talvez 6,2% ou 6,1%´", observa Anderson. "Bem, isso é legal, mas você teria de ir de 6,5% para 3% para resolver a situação", acrescenta, prevendo que a China vai acabar caindo em uma crise financeira se a alavancagem continuar a subir no ritmo atual.
A carga de dívida total da China chegou a 255% do PIB no fim de junho, em comparação aos 141% de 2008, bem acima da média de 188% dos países emergentes, segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS).
Não se trata de uma preocupação limitada apenas às fronteiras domésticas. A China contribuiu com mais de 30% da expansão do PIB mundial em 2015. Se sua economia tiver forte desaceleração, os efeitos seriam sentidos ao redor do mundo. Exportadores de commodities, como Brasil, Austrália e os países do Sudeste Asiático, seriam os mais atingidos.
O impacto, no entanto, também seria sentido pelas empresas multinacionais ocidentais que esperam se beneficiar do crescimento no consumo chinês, desde montadoras e laboratórios farmacêuticos até varejistas e estúdios de Hollywood.
A crise na China não é inevitável. Em termos gerais, especialistas veem três possibilidades: no cenário otimista, reformas econômicas contundentes permitem que o consumo cresça rápido o suficiente para compensar o declínio da indústria pesada; no "cenário japonês", a demora nas reformas leva a uma década de baixo crescimento; no pior cenário, uma grave crise financeira é desencadeada por uma onda de defaults.
O "Financial Times" viajou pela China, visitando três cidades - do sudoeste, leste e norte - que já começam a exibir traços dessas três opções: reequilíbrio, estagnação ou uma crise profunda. São três visões diferentes sobre o futuro econômico do país.
Cenário 1: Nova economia
A estrada que leva ao estaleiro pertencente a Chen Ying, na cidade portuária de Qingdao (província de Shandong) está repleta de casas novas, muitas ainda incompletas, que não foram vendidas nem estão ocupadas. Junto com centros de convenção e hotéis, esses imóveis servem de lembrete do motor tradicional da economia da China - os investimentos na construção civil e nos setores de alto consumo de energia que dependem dela, do concreto ao aço.
Chen ganhou seu primeiro milhão de yuans como exportadora de moda, antes de diversificar para outro setores, como finanças. Sua paixão mais recente é o iatismo, atividade que começou a se consolidar depois que Qingdao sediou competições da modalidade na Olimpíada de Pequim, em 2008. "Meu sonho é vender iates na China", diz Chen. "Antes de 2008, sabíamos que velejar era popular no exterior, mas aqui não existia."
Há razões de sobra para ser pessimista quando se analisa a economia da China. Com poucas exceções, os mercados imobiliários locais sofrem com sobrevalorização, como o de Qingdao, ou com o excesso de imóveis. O endividamento das empresas está perigosamente alto e, ainda assim, o crédito continua crescendo duas vezes o ritmo da economia. As reformas econômicas prometidas não se materializaram.
A economia da China, entretanto, cresceu até tornar-se a segunda maior do mundo, mesmo sem a existência de setores econômicos considerados comuns em outros países, em sua maioria nas áreas de serviços e lazer. Há atividades surgindo, da aviação privada à construção de iates, que podem ajudar a compensar o declínio no setor de carvão, aço e tantos outros que se tornaram emblemáticos da "velha economia" da China.
Jeffrey Towson, professor da Universidade de Pequim e ex-executivo de investimentos da Kingdom Holding Company, da Arábia Saudita, argumenta que é fácil ser "demasiado pessimista" quanto à economia chinesa. "Olhar para as questões macro provoca isso nas pessoas", diz. "Na esfera micro, a situação é de muito mais otimismo."
Towson destaca a "demanda ilimitada" por quase tudo, desde lazer a assistência médica, demandas que crescem a taxas superiores a 10% e devem continuar assim no futuro próximo.
O consumo, alimentado por esses setores nascentes, representa pouco mais da metade do PIB na China, e vem impulsionando a economia de Qingdao, que se expandiu mais de 8% em 2015, acima da média nacional, de 6,9%.
"Você pode continuar vendo cada vez mais filmes e desfrutando de mais férias", diz Towson. "Isso é diferente de comprar uma lavadora de roupas ou um sofá. A pessoas não compram cinco lavadoras."
A maioria das pessoas tampouco compra cinco iates, mas Chen está confiante de que o número de proprietários de embarcações vai aumentar. Em 2012, ela comprou a Mazarin, uma falida fabricante alemã de iates, e transportou a fábrica para Qingdao. Em 2014 e 2015, os dois primeiros anos de produção de Chen, a maior parte de seus iates, motorizados ou não, foi exportada. Em 2016, 60% das encomendas da Mazarin foram domésticas. Seus barcos, que valem de 5 milhões de yuans (US$ 720 mil) a 20 milhões de yuans, são basicamente brinquedos para os ricos. Ainda assim, não são um sonho tão distante para a classe média de proprietários de imóveis na China, já que um apartamento de dois quartos em Pequim pode custar 1 milhão de yuans.
No cenário otimista, reformas estimulam o consumo, que compensa o declínio da indústria pesada
"A classe média da China não está comprando iates neste momento, mas vai comprar", prevê Chen. "Sou muito otimista quanto ao futuro, desde que nos mantenhamos no caminho certo. A China não pode continuar a depender de indústrias de uso intenso de energia para impulsionar a prosperidade da economia. Precisamos de consumo para criar novas oportunidades econômicas e de emprego."
Cenário 2: Estagnação
Aos 32 anos, Lily Pei, acha que os melhores dias de sua carreira podem já ter ficado para trás. Ela saiu direto da faculdade para o Vilarejo 739, no pé da montanha Emei, na província de Sichuan, para trabalhar como vendedora na próspera Fábrica de Semicondutores 739, que deu seu nome ao vilarejo de 3.000 pessoas.
Ela mudou-se para a região com três colegas de classe. É a única que ainda está lá. "Eles conseguiram ver que o setor estava sofrendo uma virada e foram espertos o suficiente para sair cedo", diz Pei.
Mao Tsé-tung trouxe a indústria pesada para esta parte do país nos anos 60, por acreditar que o interior montanhoso estaria seguro de ataques de inimigos. A população local ainda se refere aos vilarejos pelos números das fábricas: "A 814 já quebrou?" ou "Ouvi falar que os funcionários da 525 ganharam um ótimo pacote de indenização".
Este vilarejo pós-industrial é um microcosmo do que algumas vezes é chamado de "cenário japonês" para o futuro da China. "Isso quer dizer 20 anos com crescimento real a 0,5%", explica Michael Pettis, professor de finanças na Universidade de Pequim.
Ele argumenta que a dependência da China em relação ao endividamento para estimular o crescimento vai acabar quando a economia ficar sem mais espaço para captar dinheiro, o que levará a um tipo de estagnação como a vista no Japão depois do estouro de sua bolha, em 1992. O perigo, alerta, é que as empresas vão redirecionar o foco, da expansão da produção para o equilíbrio de seus balanços patrimoniais, e nem mesmo uma política monetária expansionista vai persuadir empresas endividadas a aumentar a captação de crédito.
Os trabalhadores da Fábrica de Semicondutores 739 sabem como é o estouro de uma bolha. Em 2006, quando Pei chegou, a empresa havia acabado de receber um investimento da estatal Dongfang Electric Corporation. Na ocasião, a onda da energia solar estava quase em seu pico e, segundo funcionários, a empresa gastou mais de 4 bilhões de yuans na construção de instalações para produzir polisilício para painéis solares.
Cerca de dois anos depois, o mercado desabou. A fábrica entrou em recuperação judicial em 2016, após um demorado processo, deixando Pei e mais um punhado de funcionários, de um quadro que tinha mais de 1.200 empregados, encarregados de liquidar as operações. Ela tenta vender o estoque, que hoje vale quase um oitavo do que valia há dez anos. Na parada de ônibus local, outro problema fica evidente. Quase todos que entram nos veículos exibem seu cartão de viagem de idosos. Eles fofocam sobre os seus netos, que se mudaram para cidades maiores e com melhores perspectivas. O número de alunos na escola local caiu pela metade em dez anos.
"Em 10 a 15 anos, o declínio demográfico da China vai se tornar mais proeminente, e a força de trabalho vai encolher cerca de cinco milhões de pessoas por ano", diz Brian Jackson, economista sênior da IHS em Pequim.
A combinação de desindustrialização e de envelhecimento da população volta a levantar dúvidas sobre o risco de a China cair na "armadilha da classe média" - termo usado por economistas para definir uma série de fatores que impactam países em desenvolvimento quando tentam ultrapassar uma renda nacional bruta per capita média em torno a US$ 12 mil.
O PIB per capita do Japão em 1992 era de US$ 21.230 (medido pela paridade do poder de compra). Pelo mesmo critério, o PIB per capita da China em 2016 foi de apenas US$ 14.160. O país pode estar entrando em uma desaceleração similar à verificada no Japão, mas com apenas cerca de 70% do padrão material de vida.
"Uma desaceleração no crescimento de 6,5% para 4% significa que vai levar 26 anos, em vez de 16, para a China alcançar o atual nível de desenvolvimento do Japão", acrescenta Jackson.
Cenário 3: Crise profunda
Os bancários na poluída Tayuan, capital da província de Shanxi, rica em carvão, ainda se lembram do impacto da falência de uma carvoaria, em 2014, no sistema financeiro local. O Liansheng Group havia captado altos empréstimos de cinco empresas de truste, a maior categoria das instituições de crédito não bancárias que surgiram na China nos últimos cinco anos.
Quando os preços do carvão despencaram na esteira da desaceleração da indústria e do setor de construção na China, a Lian-sheng se viu incapaz de pagar dívidas de 5 bilhões de yuans.
O que aconteceu a seguir ilustra por que alguns analistas acreditam que uma série de calotes no chamado sistema bancário paralelo ("shadow bank") poderia desencadear uma crise financeira mais ampla na China.
Multidões enfurecidas de investidores se amontoaram nas sedes de bancos estatais em Shanxi para exigir de volta o dinheiro "conquistado com sangue e suor" que haviam aplicado nessas instituições não bancárias. "Na verdade, eles foram muito educados. Depois que acabavam de comer o almoço que traziam embalado, limpavam tudo que deixavam", diz uma pessoa que trabalhou no Everbright Bank, na época dos protestos, em 2014.
No pior, onda de defaults desencadeia um aperto de liquidez em todo o sistema financeiro
Apesar das boas maneiras, o incidente ilustra o perigoso vínculo entre o sistema de crédito não bancário e os grandes bancos tradicionais de varejo, sistemicamente mais importantes. Para conceder empréstimos, os trustes levantam recursos por meio da venda de produtos de administração de riqueza (WMP, na sigla em inglês), que oferecem altos rendimentos. Quando esses produtos têm maior risco, os bancos tradicionais normalmente atuam apenas com agentes de venda, sem responsabilidade legal pelo retorno dos investimentos.
Os investidores, contudo normalmente ignoram esses detalhes, presumindo que os bancos estatais - e, portanto, o governo - estão por trás dos produtos que distribuem em suas agências. Outro fator que aumenta a percepção dos investidores de que é impossível tomar um calote é o histórico de bancos tradicionais que socorreram esses WMPs mesmo sem ter responsabilidade legal.
"Muitos de nossos clientes são ´baofahu´", diz um funcionário do Shanxi Trust, usando um termo chinês para as pessoas que enriquece de uma hora para outra, mas carecem de conhecimento financeiro e bagagem cultural. Shanxi é repleta desses investidores, muitos dos quais ficaram ricos durante o auge do carvão. "Eles só querem saber do rendimento e não prestam atenção ao risco", diz. "E, algumas vezes, as equipes de vendas nos bancos não explicam adequadamente os riscos."
O risco para o sistema financeiro como um todo, segundo analistas, é que uma série de defaults possa abalar a suposição de garantia implícita, provocando uma corrida para resgatar dinheiro desses WMPs, o que poderia deixar dezenas de bancos expostos à uma crise de liquidez.
Bancos menores são especialmente vulneráveis porque, diferentemente da instituições maiores, dependem cada vez mais do financiamento no atacado para sustentar seus balanços patrimoniais. Tal financiamento é proveniente em sua maior parte desses produtos de gestão de fortunas, assim como dos "money markets" (dívida de curto prazo) nos quais se recorre aos grandes bancos.
Ainda assim, somente defaults nesses WMP provavelmente não seriam suficientes para desencadear uma crise. Teriam de coincidir com um aperto de liquidez em todo o sistema, o que intensificaria o efeito dos calotes isolados e tornaria mais difícil para os bancos recorrerem às operações de financiamento interbancários.
Charlene Chu, sócia sênior e chefe da área de bancos chineses da Autonomous Research, em Nova York, teme uma repetição da falta de liquidez vista na China em 2013, quando até os grandes bancos encontraram dificuldade para conseguir recursos.
"Foi um problema em todo o sistema no qual repentinamente todos os bancos estavam envolvidos. É esse tipo de cenário, e não apenas uma instituição específica como gatilho", disse. "Teria que ser algo no qual uma ampla variedade de bancos pequenos estivesse tendo problemas de financiamento."
Não estourou. Estima-se que a economia da China tenha alcançado a meta do governo de crescimento em 2016 de pelo menos 6,5% no Produto Interno Bruto (PIB). O mercado de ações se estabilizou e subiu 19% desde o ponto mais baixo registrado no fim de janeiro de 2016. A alta nas cotações das commodities fez os preços atacadistas voltarem a subir, depois de mais de quatro anos de deflação. A moeda continuou a se desvalorizar, mas de forma ordenada.
Ainda assim, poucos acreditam que os problemas econômicos fundamentais da China foram resolvidos. O crescimento relativamente forte se manteve ao custo de uma alavancagem ainda maior da economia e de um crescimento impulsionado pela indústria pesada poluidora.
Muitos economistas acreditam que as autoridades econômicas estão apenas aumentando o estoque de problemas ao adiar as necessárias e dolorosas reformas e ao almejar metas de crescimento de curto prazo ambiciosas demais.
"O problema básico é que eles têm uma meta de crescimento que é irrealista", diz Jonathan Anderson, diretor do Emerging Advisors Group, em Xangai, e ex-chefe na China do Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Eles [os líderes chineses] vêm falando ´em vez de 6,5%, vamos buscar talvez 6,2% ou 6,1%´", observa Anderson. "Bem, isso é legal, mas você teria de ir de 6,5% para 3% para resolver a situação", acrescenta, prevendo que a China vai acabar caindo em uma crise financeira se a alavancagem continuar a subir no ritmo atual.
A carga de dívida total da China chegou a 255% do PIB no fim de junho, em comparação aos 141% de 2008, bem acima da média de 188% dos países emergentes, segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS).
Não se trata de uma preocupação limitada apenas às fronteiras domésticas. A China contribuiu com mais de 30% da expansão do PIB mundial em 2015. Se sua economia tiver forte desaceleração, os efeitos seriam sentidos ao redor do mundo. Exportadores de commodities, como Brasil, Austrália e os países do Sudeste Asiático, seriam os mais atingidos.
O impacto, no entanto, também seria sentido pelas empresas multinacionais ocidentais que esperam se beneficiar do crescimento no consumo chinês, desde montadoras e laboratórios farmacêuticos até varejistas e estúdios de Hollywood.
A crise na China não é inevitável. Em termos gerais, especialistas veem três possibilidades: no cenário otimista, reformas econômicas contundentes permitem que o consumo cresça rápido o suficiente para compensar o declínio da indústria pesada; no "cenário japonês", a demora nas reformas leva a uma década de baixo crescimento; no pior cenário, uma grave crise financeira é desencadeada por uma onda de defaults.
O "Financial Times" viajou pela China, visitando três cidades - do sudoeste, leste e norte - que já começam a exibir traços dessas três opções: reequilíbrio, estagnação ou uma crise profunda. São três visões diferentes sobre o futuro econômico do país.
Cenário 1: Nova economia
A estrada que leva ao estaleiro pertencente a Chen Ying, na cidade portuária de Qingdao (província de Shandong) está repleta de casas novas, muitas ainda incompletas, que não foram vendidas nem estão ocupadas. Junto com centros de convenção e hotéis, esses imóveis servem de lembrete do motor tradicional da economia da China - os investimentos na construção civil e nos setores de alto consumo de energia que dependem dela, do concreto ao aço.
Chen ganhou seu primeiro milhão de yuans como exportadora de moda, antes de diversificar para outro setores, como finanças. Sua paixão mais recente é o iatismo, atividade que começou a se consolidar depois que Qingdao sediou competições da modalidade na Olimpíada de Pequim, em 2008. "Meu sonho é vender iates na China", diz Chen. "Antes de 2008, sabíamos que velejar era popular no exterior, mas aqui não existia."
Há razões de sobra para ser pessimista quando se analisa a economia da China. Com poucas exceções, os mercados imobiliários locais sofrem com sobrevalorização, como o de Qingdao, ou com o excesso de imóveis. O endividamento das empresas está perigosamente alto e, ainda assim, o crédito continua crescendo duas vezes o ritmo da economia. As reformas econômicas prometidas não se materializaram.
A economia da China, entretanto, cresceu até tornar-se a segunda maior do mundo, mesmo sem a existência de setores econômicos considerados comuns em outros países, em sua maioria nas áreas de serviços e lazer. Há atividades surgindo, da aviação privada à construção de iates, que podem ajudar a compensar o declínio no setor de carvão, aço e tantos outros que se tornaram emblemáticos da "velha economia" da China.
Jeffrey Towson, professor da Universidade de Pequim e ex-executivo de investimentos da Kingdom Holding Company, da Arábia Saudita, argumenta que é fácil ser "demasiado pessimista" quanto à economia chinesa. "Olhar para as questões macro provoca isso nas pessoas", diz. "Na esfera micro, a situação é de muito mais otimismo."
Towson destaca a "demanda ilimitada" por quase tudo, desde lazer a assistência médica, demandas que crescem a taxas superiores a 10% e devem continuar assim no futuro próximo.
O consumo, alimentado por esses setores nascentes, representa pouco mais da metade do PIB na China, e vem impulsionando a economia de Qingdao, que se expandiu mais de 8% em 2015, acima da média nacional, de 6,9%.
"Você pode continuar vendo cada vez mais filmes e desfrutando de mais férias", diz Towson. "Isso é diferente de comprar uma lavadora de roupas ou um sofá. A pessoas não compram cinco lavadoras."
A maioria das pessoas tampouco compra cinco iates, mas Chen está confiante de que o número de proprietários de embarcações vai aumentar. Em 2012, ela comprou a Mazarin, uma falida fabricante alemã de iates, e transportou a fábrica para Qingdao. Em 2014 e 2015, os dois primeiros anos de produção de Chen, a maior parte de seus iates, motorizados ou não, foi exportada. Em 2016, 60% das encomendas da Mazarin foram domésticas. Seus barcos, que valem de 5 milhões de yuans (US$ 720 mil) a 20 milhões de yuans, são basicamente brinquedos para os ricos. Ainda assim, não são um sonho tão distante para a classe média de proprietários de imóveis na China, já que um apartamento de dois quartos em Pequim pode custar 1 milhão de yuans.
No cenário otimista, reformas estimulam o consumo, que compensa o declínio da indústria pesada
"A classe média da China não está comprando iates neste momento, mas vai comprar", prevê Chen. "Sou muito otimista quanto ao futuro, desde que nos mantenhamos no caminho certo. A China não pode continuar a depender de indústrias de uso intenso de energia para impulsionar a prosperidade da economia. Precisamos de consumo para criar novas oportunidades econômicas e de emprego."
Cenário 2: Estagnação
Aos 32 anos, Lily Pei, acha que os melhores dias de sua carreira podem já ter ficado para trás. Ela saiu direto da faculdade para o Vilarejo 739, no pé da montanha Emei, na província de Sichuan, para trabalhar como vendedora na próspera Fábrica de Semicondutores 739, que deu seu nome ao vilarejo de 3.000 pessoas.
Ela mudou-se para a região com três colegas de classe. É a única que ainda está lá. "Eles conseguiram ver que o setor estava sofrendo uma virada e foram espertos o suficiente para sair cedo", diz Pei.
Mao Tsé-tung trouxe a indústria pesada para esta parte do país nos anos 60, por acreditar que o interior montanhoso estaria seguro de ataques de inimigos. A população local ainda se refere aos vilarejos pelos números das fábricas: "A 814 já quebrou?" ou "Ouvi falar que os funcionários da 525 ganharam um ótimo pacote de indenização".
Este vilarejo pós-industrial é um microcosmo do que algumas vezes é chamado de "cenário japonês" para o futuro da China. "Isso quer dizer 20 anos com crescimento real a 0,5%", explica Michael Pettis, professor de finanças na Universidade de Pequim.
Ele argumenta que a dependência da China em relação ao endividamento para estimular o crescimento vai acabar quando a economia ficar sem mais espaço para captar dinheiro, o que levará a um tipo de estagnação como a vista no Japão depois do estouro de sua bolha, em 1992. O perigo, alerta, é que as empresas vão redirecionar o foco, da expansão da produção para o equilíbrio de seus balanços patrimoniais, e nem mesmo uma política monetária expansionista vai persuadir empresas endividadas a aumentar a captação de crédito.
Os trabalhadores da Fábrica de Semicondutores 739 sabem como é o estouro de uma bolha. Em 2006, quando Pei chegou, a empresa havia acabado de receber um investimento da estatal Dongfang Electric Corporation. Na ocasião, a onda da energia solar estava quase em seu pico e, segundo funcionários, a empresa gastou mais de 4 bilhões de yuans na construção de instalações para produzir polisilício para painéis solares.
Cerca de dois anos depois, o mercado desabou. A fábrica entrou em recuperação judicial em 2016, após um demorado processo, deixando Pei e mais um punhado de funcionários, de um quadro que tinha mais de 1.200 empregados, encarregados de liquidar as operações. Ela tenta vender o estoque, que hoje vale quase um oitavo do que valia há dez anos. Na parada de ônibus local, outro problema fica evidente. Quase todos que entram nos veículos exibem seu cartão de viagem de idosos. Eles fofocam sobre os seus netos, que se mudaram para cidades maiores e com melhores perspectivas. O número de alunos na escola local caiu pela metade em dez anos.
"Em 10 a 15 anos, o declínio demográfico da China vai se tornar mais proeminente, e a força de trabalho vai encolher cerca de cinco milhões de pessoas por ano", diz Brian Jackson, economista sênior da IHS em Pequim.
A combinação de desindustrialização e de envelhecimento da população volta a levantar dúvidas sobre o risco de a China cair na "armadilha da classe média" - termo usado por economistas para definir uma série de fatores que impactam países em desenvolvimento quando tentam ultrapassar uma renda nacional bruta per capita média em torno a US$ 12 mil.
O PIB per capita do Japão em 1992 era de US$ 21.230 (medido pela paridade do poder de compra). Pelo mesmo critério, o PIB per capita da China em 2016 foi de apenas US$ 14.160. O país pode estar entrando em uma desaceleração similar à verificada no Japão, mas com apenas cerca de 70% do padrão material de vida.
"Uma desaceleração no crescimento de 6,5% para 4% significa que vai levar 26 anos, em vez de 16, para a China alcançar o atual nível de desenvolvimento do Japão", acrescenta Jackson.
Cenário 3: Crise profunda
Os bancários na poluída Tayuan, capital da província de Shanxi, rica em carvão, ainda se lembram do impacto da falência de uma carvoaria, em 2014, no sistema financeiro local. O Liansheng Group havia captado altos empréstimos de cinco empresas de truste, a maior categoria das instituições de crédito não bancárias que surgiram na China nos últimos cinco anos.
Quando os preços do carvão despencaram na esteira da desaceleração da indústria e do setor de construção na China, a Lian-sheng se viu incapaz de pagar dívidas de 5 bilhões de yuans.
O que aconteceu a seguir ilustra por que alguns analistas acreditam que uma série de calotes no chamado sistema bancário paralelo ("shadow bank") poderia desencadear uma crise financeira mais ampla na China.
Multidões enfurecidas de investidores se amontoaram nas sedes de bancos estatais em Shanxi para exigir de volta o dinheiro "conquistado com sangue e suor" que haviam aplicado nessas instituições não bancárias. "Na verdade, eles foram muito educados. Depois que acabavam de comer o almoço que traziam embalado, limpavam tudo que deixavam", diz uma pessoa que trabalhou no Everbright Bank, na época dos protestos, em 2014.
No pior, onda de defaults desencadeia um aperto de liquidez em todo o sistema financeiro
Apesar das boas maneiras, o incidente ilustra o perigoso vínculo entre o sistema de crédito não bancário e os grandes bancos tradicionais de varejo, sistemicamente mais importantes. Para conceder empréstimos, os trustes levantam recursos por meio da venda de produtos de administração de riqueza (WMP, na sigla em inglês), que oferecem altos rendimentos. Quando esses produtos têm maior risco, os bancos tradicionais normalmente atuam apenas com agentes de venda, sem responsabilidade legal pelo retorno dos investimentos.
Os investidores, contudo normalmente ignoram esses detalhes, presumindo que os bancos estatais - e, portanto, o governo - estão por trás dos produtos que distribuem em suas agências. Outro fator que aumenta a percepção dos investidores de que é impossível tomar um calote é o histórico de bancos tradicionais que socorreram esses WMPs mesmo sem ter responsabilidade legal.
"Muitos de nossos clientes são ´baofahu´", diz um funcionário do Shanxi Trust, usando um termo chinês para as pessoas que enriquece de uma hora para outra, mas carecem de conhecimento financeiro e bagagem cultural. Shanxi é repleta desses investidores, muitos dos quais ficaram ricos durante o auge do carvão. "Eles só querem saber do rendimento e não prestam atenção ao risco", diz. "E, algumas vezes, as equipes de vendas nos bancos não explicam adequadamente os riscos."
O risco para o sistema financeiro como um todo, segundo analistas, é que uma série de defaults possa abalar a suposição de garantia implícita, provocando uma corrida para resgatar dinheiro desses WMPs, o que poderia deixar dezenas de bancos expostos à uma crise de liquidez.
Bancos menores são especialmente vulneráveis porque, diferentemente da instituições maiores, dependem cada vez mais do financiamento no atacado para sustentar seus balanços patrimoniais. Tal financiamento é proveniente em sua maior parte desses produtos de gestão de fortunas, assim como dos "money markets" (dívida de curto prazo) nos quais se recorre aos grandes bancos.
Ainda assim, somente defaults nesses WMP provavelmente não seriam suficientes para desencadear uma crise. Teriam de coincidir com um aperto de liquidez em todo o sistema, o que intensificaria o efeito dos calotes isolados e tornaria mais difícil para os bancos recorrerem às operações de financiamento interbancários.
Charlene Chu, sócia sênior e chefe da área de bancos chineses da Autonomous Research, em Nova York, teme uma repetição da falta de liquidez vista na China em 2013, quando até os grandes bancos encontraram dificuldade para conseguir recursos.
"Foi um problema em todo o sistema no qual repentinamente todos os bancos estavam envolvidos. É esse tipo de cenário, e não apenas uma instituição específica como gatilho", disse. "Teria que ser algo no qual uma ampla variedade de bancos pequenos estivesse tendo problemas de financiamento."
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